Jogos e Neurodivergência: O Poder do Virtual na Regulação Emocional e Sensorial

Estudos mostram como os jogos digitais ajudam pessoas neurodivergentes a lidar com emoções, estímulos sensoriais e interações sociais no próprio ritmo.

NEXUS

Maxine Schuindt

11/1/20254 min ler

Há dias em que o mundo parece barulhento demais. As luzes, as vozes, os sons, tudo chega de uma só vez — e o corpo tenta acompanhar. Para muitas pessoas neurodivergentes, cada momento do dia é um exercício constante de adaptação, um esforço silencioso para não se perder em meio ao excesso de estímulos. E é justamente nesse cenário que os jogos digitais se tornam mais do que um passatempo.

Eles são uma forma de reorganizar o caos. Dentro deles, o tempo desacelera, as regras são claras e as interações seguem um ritmo compreensível. O mundo dos jogos oferece algo que, muitas vezes, falta na vida real: controle.

Cada ação parte da vontade do jogador. É possível explorar, parar, recomeçar — tudo dentro de um espaço previsível, que não julga, não exige, apenas convida a existir.

Quando o virtual se transforma em abrigo

A neurodivergência não é um obstáculo, mas uma forma diferente de perceber o mundo. Em pessoas autistas, por exemplo, sons, luzes e cheiros podem ser sentidos de forma mais intensa. Pequenas mudanças de rotina, que parecem simples para alguns, podem gerar confusão ou ansiedade.

O cérebro neurodivergente processa o ambiente de outra maneira — e o que pode parecer um “mundo paralelo” nos jogos é, na verdade, um refúgio sensorial e emocional. Um lugar onde os estímulos podem ser compreendidos e controlados, permitindo descanso, foco e segurança.

Estudos publicados no Frontiers in Rehabilitation Sciences (2024) indicam que jogos digitais ajudam a desenvolver autonomia e resiliência emocional, especialmente por permitirem que o jogador controle seu próprio tempo e intensidade.
A Autistica UK, uma das principais instituições de pesquisa sobre autismo, também aponta que 9 em cada 10 adultos autistas jogam videogame — e muitos relatam que isso traz relaxamento, alívio sensorial e uma sensação de pertencimento.

No fundo, oferecem algo simples, mas essencial: a chance de viver no próprio ritmo.

Grande parte das discussões sobre autismo e neurodivergência foca na infância, mas a jornada não termina ali.
Para adultos neurodivergentes, o mundo continua exigindo constante adaptação — e é justamente por isso que os jogos seguem sendo tão importantes.

Eles oferecem o tipo de previsibilidade que o cotidiano raramente dá. Dentro de um jogo, o erro não vem com culpa, o tempo não corre contra você, e cada experiência pode ser repetida até fazer sentido.
Depois de um dia inteiro tentando “funcionar” num mundo que não entende as pausas necessárias, apertar “Start” é como respirar fundo.

Stardew Valley, Animal Crossing, The Sims e Life is Strange criam ambientes onde a calma e a compreensão são possíveis. São espaços para aprender sobre empatia, rotina, emoção e convivência — sem o peso das expectativas externas.

E o mais bonito é que, mesmo quando o jogo termina, algo fica. Um aprendizado sutil sobre como o mundo poderia ser: mais gentil, mais compreensível, mais humano.

Limites e equilíbrio

Como qualquer forma de imersão, os jogos também pedem equilíbrio. É importante reconhecer os sinais de cansaço e respeitar os próprios limites. Mas isso não diminui seu valor — pelo contrário.
Quando usados com consciência, se tornam ferramentas de autorregulação, educação emocional e acolhimento sensorial.

Eles não substituem a vida fora da tela. Apenas ajudam a torná-la mais suportável, mais compreensível — e, em alguns dias, mais leve.

Uma mensagem para quem observa de fora

Se você é mãe, pai, irmão, amiga ou cuidadora de alguém neurodivergente, talvez já tenha visto uma cena comum: alguém jogando por horas, concentrado, imerso num mundo virtual que parece distante.
Mas saiba — nem sempre há isolamento ali. Às vezes, há alívio.

Os jogos podem ser um espaço de descanso para mentes cansadas de se adaptar. Um lugar onde o barulho silencia, onde o tempo se ajusta, onde é possível apenas ser.

Então, antes de julgar, tente compreender.
Pergunte o que aquele jogo representa, o que aquela jornada significa. Porque, muitas vezes, o controle nas mãos não é um gesto de fuga — é um gesto de sobrevivência.

Os jogos não são apenas mundos imaginários — são pontes entre o caos e a calma.
E quando alguém encontra neles o seu refúgio, o mundo real se torna um pouco mais acolhedor também.

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